Os heróis do Olimpo em 1ª mão os 2 primeiros capitulos

Os primeiros capitúlos de Os heróis do Olimpo:O HERÓI PERDIDO

 

I
Jason

Mesmo antes de ter sido eletrocutado, Jason estava tendo um dia péssimo.
Ele acordou num assento traseiro de um ônibus escolar, não muito certo de onde estava, segurando na mão de uma garota que não conhecia. Aquela não era necessariamente a parte péssima. A garota era bonita, mas não podia imaginar quem ela era ou o quê ele estava fazendo lá. Endireitou-se e esfregou seus olhos, tentando pensar.
Algumas dúzias de crianças infestavam os assentos na frente dele, escutando Ipods, falando, ou dormindo. Olhou para eles e imaginou sua idade… Quinze? Dezesseis? Ok, isso era assustador. Não sabia sua própria idade.
O ônibus ruía e chacoalhava ao longo da estrada esburacada. Fora das janelas, rolava um deserto sob um céu azul brilhante.
Jason tinha certeza de que não vivia em um deserto. Ele tentou pensar no passado… Na última coisa que recordava…
A garota apertou sua mão. “Jason, você está bem?”
Ela usava um jeans desbotado, botas para caminhada, e uma jaqueta de snowboard manchada. Seu cabelo castanho chocolate foi cortado de forma instável e irregular, com uma trança que caía um pouco mais abaixo dos ombros.
Ela não usava maquiagem, talvez estivesse tentando não chamar atenção para si; mas não funcionou. Estava com uma expressão séria. Seus olhos pareciam mudar de cor como um caleidoscópio – marrons, azuis, e verdes.
Jason largou sua mão. “Hum, eu não -”
Na frente do ônibus, um professor gritou, “Está bem, Cupcakes (bolinhos americanos personalizados), Ouçam!”
Ele com toda certeza era um treinador. Seu boné de beisebol havia sido puxado para baixo de seu cabelo, então você apenas podia ver seus olhos arredondados. Tinha um cavanhaque fino e um rosto azedo, como se tivesse acabado de comer algo estragado. Seu peito e braços musculosos estavam sendo contraídos sobre sua brilhante camisa pólo laranja.
Suas calças de Nylon para treino e seus tênis da Nike eram impecavelmente brancos. Um apito estava pendurado em seu pescoço, e um megafone tinha sido preso ao seu cinto. Poderia ser realmente assustador, senão fosse por medir em torno de cinco pés, era muito pequeno. Quando ele se levantou no corredor, um dos estudantes gritou, “Levante mais alto, treinador Hedge!”
“Eu ouvi isso!” O treinador analisou todo o ônibus a procura do ofensor. Logo em seguida, seus olhos se fixaram em Jason, e ele aprofundou ainda mais seu olhar zangado.
Jason sentiu um grande frio na espinha. Ele tinha certeza de que o treinador sabia que não era para ele estar ali. Ele iria chamá-lo, procurar saber o que ele estava fazendo naquele ônibus – e Jason não tinha a menor idéia do que dizer.
Mas o treinador Hedge apenas desviou o olhar e limpou sua garganta. “Nós vamos chegar em cinco minutos! Fiquem com seus parceiros. Não percam seus materiais escolares. E se algum de vocês, pequenos Cupcakes, causar qualquer problema nesta viagem, eu pessoalmente o mandarei de volta ao campus da pior forma possível.”
Ele pegou um bastão de beisebol e fingiu dar uma tacada para longe.
Jason olhou para a garota do seu lado. “Ele pode falar assim com a gente?”
Ela encolheu os ombros. “Sempre faz. Está é a escola Wilderness. ‘Onde as crianças são animais.’”
Ela disse aquilo como se fosse uma piadinha já partilhada por ele antes.
“Deve haver algum engano”, Jason disse. “Eu não devia estar aqui.”
Um garoto a sua frente levantou, virou-se de seu assento e riu. “Sim, está certo, Jason. Todos nós estamos enclausurados aqui! Eu tentei fugir seis vezes. Piper já até tentou roubar uma BMW.”
A menina corou. “Eu não roubei esse carro, Leo!”
“Ah, tinha me esquecido disso Piper. Qual foi a sua história mesmo? Você “conversou” com o revendedor e pediu para ele te emprestar?” Ele olhou de relance com seus olhos castanhos para Jason, como se estivesse dizendo ‘você consegue acreditar nisso?’.
Leo se parecia com um elfo latino: cabelo preto encaracolado, orelhas meio pontudas, aparência alegre, carinha de bebê, e um sorrisinho maroto que te dizia que este garoto não devia ser confiável perto de jogos da sorte ou objetos cortantes. Seus longos e bem ágeis dedos não paravam de se mover – fosse batendo no assento, ajeitando seu cabelo para trás das orelhas ou mexendo nos botões de seu casaco do exército. Ou a criança era naturalmente “hiper” ou havia misturado tanto açúcar com cafeína dentro de si que seriam capazes até de dar um ataque cardíaco num búfalo.
“De qualquer modo”, Leo disse, “Eu espero que você tenha seu material aí, porque eu usei o meu para fazer bolinhas de cuspe há alguns dias. Porque diabos está me olhando assim? Alguém desenhou no meu rosto de novo?”
“Eu não te conheço”, Jason disse.
Leo esboçou um sorriso cínico. ”Claro. Eu não sou o seu melhor amigo. Sou um clone maligno dele.”
“Leo Valdez!” O treinador Hedge berrou lá na frente. “Problemas aí atrás?”
Leo deu uma piscada pra Jason. “Veja só isso”. Ele tornou a se virar para frente. “Desculpe treinador! Estava tendo problemas para ouvi-lo. Poderia usar seu megafone, por favor?”
Dava para perceber o quanto o treinador Hedge estava satisfeito por ter uma desculpa para usar aquilo. Ele retirou o megafone do seu cinto e continuou a dar as instruções, mas sua voz saiu igual à de Darth Vader. As crianças caíram na risada. O treinador tentou novamente, mas desta vez com o megafone no máximo: “A vaca diz môo!”
As crianças uivavam, e o treinador baixou o megafone. “Valdez!”
Piper engoliu uma risada em seco. “Por Deus, Leo. Como você fez isso?”
Leo tirou uma pequena chave de fenda Phillips de seu casaco. “Eu sou um menino especial.”
“Gente, é sério”, Jason respondeu. “O que eu estou fazendo aqui? Pra onde vamos?”
Piper franziu as sobrancelhas. “Jason, está brincando?”
“Não! Eu não tenho a menor idéia-”
“Ah, fala sério, é claro que ele está brincando”, Leo disse. “Ele está tentando me fazer voltar a cair naquela do creme de barbear sobre a geléia, não é?”
Ambos olharam pra ele, Jason estava branco.
“Não, eu acho que é sério.” Piper tentou segurar sua mão novamente, mas ele afastou a sua.
“Eu sinto muito”, Ele disse. “Eu não – Eu não consigo-”
“É isto então.” O treinador Hedge berrou lá na frente. “Parece que no fundo temos muitos voluntários para limpar tudo após o almoço!”
O resto das crianças aplaudiram.
“Isso é revoltante”, Leo murmurou.
Mas Piper manteve seus olhos fixos em Jason, como se não pudesse decidir entre se ofender ou se preocupar. “Você bateu com a cabeça ou algo assim? Você realmente não sabe quem somos nós?”
Jason, ainda impotente, disse. “É pior do que isso. Não sei quem eu sou.”
O ônibus deu uma parada numa espécie de complexo vermelho, parecia um museu, só que bem no meio do nada. Talvez era isso que era: O ‘Museu Nacional de Lugar Algum’, pensou Jason. Um vento frio soprava entre no deserto. Jason não tinha prestado muita atenção em como estava vestido, mas ele não estava suficientemente aquecido: jeans e tênis, uma camiseta roxa e um casaco preto fino.
“Bom, então vamos começar um curso intensivo para amnésia”, Disse Leo, com um tom sutil que fez Jason pensar que isso não iria ser nada útil. “Estamos na escola de Wilderness” – Leo fez citações no ar com os dedos. “Que significa que somos ‘crianças malvadas’. Sua família ou o tribunal, quem quer que fosse, decidiu que causou muitos problemas, então enviarão você a está querida prisãozinha – desculpe, quis dizer ‘internato’ – Em Armpit, Nevada, onde você aprenderia habilidades da natureza bem valiosas, como correr dez milhas por dia tomando água de cactos e tecer margaridinhas em chapéus! E para fazer um treinamento bem especial e “educativo”, fazemos viagens de campo com o instrutor Hedge, que mantém a ordem com um taco de beisebol assassino. É isso, já conseguiu voltar para si agora?”
“Não.” Jason deu uma breve olhada para as outras crianças, apreensivo: vinte ao todo, talvez a metade fosse composta por meninas. Nenhum deles parecia forte o bastante ou com cara de criminoso, mas ele se perguntou o que será que eles tinham feito para serem condenados a uma escola para delinqüentes, e se perguntou por que estava junto com eles.
Leo revirou os olhos. “Você realmente quer jogar isso, hein? Ok, nós três nos iniciamos neste ano. Estamos totalmente apertados. Você normalmente faz tudo que eu digo, me dá a sua sobremesa todos os dias e além disso faz os meus trabalhos frequen -”
“Leo!” Piper disse rispidamente.
“Tudo bem. Ignore essa última parte. Mas nós somos amigos. Bem, Piper é um pouco mais do que sua amiga nessas últimas semanas -”
“Leo, pare com isso!” O rosto de Piper ficou todo vermelho. Jason podia sentir seu rosto queimando também. Pensou que iria lembrar caso estivesse saindo com uma garota como Piper.
“Ele deve estar com amnésia com algo do tipo”, disse Piper. “Temos que contar pra alguém.”
Leo ficou aborrecido. “Pra quem, pro treinador Hedge? Ele vai tentar curar o Jason lhe dando pancadas sem parar na cabeça.”
O treinador ficou a frente do grupo, berrando ordens e assoprando seu apito para manter as crianças na fila; mas durante várias vezes olhou na direção de Jason e deu um olhar zangado.
“Leo, o Jason precisa de ajuda”, Piper insistiu. “Ele tem uma concussão ou -”
“Olá, Piper.” Um dos garotos juntou-se a eles enquanto iam para o museu.
O novo garoto ficou entre Jason e Piper, empurrando Leo para trás. “Não fale com esses pés-rapados, você é minha parceira, lembra?”
O garoto novo tinha cabelos cortados no estilo Superman, um grande bronzeado, e dentes tão brancos que deveriam já vir com um aviso: ‘não olhe para isso diretamente. Pode dar cegueira permanente.’ Ele usava uma camisola de Dallas Cowboys, jeans e botas de filmes de faroeste, e sorria como se fosse um Deus para garotas e delinqüentes juvenis onde quer que fosse. Jason sentiu ódio por ele instantaneamente.
“Desaparece, Dylan”, vociferou Piper. “Eu não pedi para trabalhar com você.”
“Ah, é que não haveria outra maneira de acontecer. Este é o seu dia de sorte!” Dylan pôs seu braço em volta dela e a “arrastou” através da entrada do museu. Piper os baleou com um último olhar sobre seus ombros, como “liguem pra polícia”.
Leo esperou ele se distanciar um pouco e disse a si mesmo. “Eu detesto esse cara.” Ele colocou os braços por cima dos ombros de Jason como ele havia feito. “Eu sou Dylan. Eu sou tão descolado, queria um encontro comigo mesmo, mas não consigo descobrir como! Você deseja sair comigo em vez disso? Você será tão sortudo!”
“Leo”, Jason disse, “Você é tão estranho”
“Sim, você está dizendo que tenho sorte”. Leo disse entre os dentes. “Porque se você não se lembra de mim, isso significa que posso reutilizar todas as minhas piadas antigas. Vamos lá!”
Jason imaginou que se esse era seu melhor amigo, sua vida devia ser uma loucura total; mas ele seguiu Leo para dentro do museu.
Eles andavam na construção, porém sempre parando aqui e ali para que o instrutor Hedge desse algumas lições com seu megafone, que alternava entre o lord do cinema ou o volume máximo, tirando alguns comentários aleatórios do tipo, “O porco diz oink.”
Leo mantinha-se puxando porcas, parafusos e limpadores de tubos dos seus bolsos do casaco do exercito e depois a colocá-los novamente no lugar, como se ele tivesse que manter suas mãos ocupadas em todos os momentos.
Jason estava bem distraído e não prestou muita atenção para a exposição, mas disseram algo sobre o Grand Canyon, e sobre a tribo Hualapai, estado pertencente ao museu.
Algumas garotas mantinham seu olhar em Piper e Dylan e cochichavam. Jason imaginou que estas garotas pertenciam à panelinha das populares. Elas usavam jeans em todos os tons de rosa possíveis e maquiagem suficiente para uma festa de halloween.
Uma delas disse, “ Ei, Piper, o que sua tribo faz presa num lugar como esse? Você os libertará se fizer uma dança da chuva?”
As outras garotas riram. Até mesmo o calado parceiro de Piper, Dylan, reprimiu um sorriso.
Jason podia sentir que ela estava cerrando os punhos.
“Meus pais são de Cherokee”, Ela disse. “Não de Hualapai. Mas é claro que você precisaria de uns neurônios a mais para entender a diferença, Isabel.”
Isabel arregalou os olhos fingindo uma surpresa, e assim ficou parecendo uma coruja com dependência de maquiagem. “Oh, desculpe! Sua mãe também foi dessa tribo? Ah, esquece. Você nunca conheceu ela no fim das contas mesmo.”
Piper estava quase explodindo pra cima dela, mas antes de uma briga começar, o treinador Hedge ladrou, “Já basta aí atrás! Dêem um bom exemplo ou eu vou pegar meu taco de beisebol!”
O grupo se manteve em ordem aleatória para a próxima exibição, mas as meninas continuaram a soltar comentários sobre Piper.
“Boa demais para ser uma rés da prisão?” Uma perguntou em uma voz doce.
“Seu pai provavelmente estava sempre muito bêbado pra trabalhar”, outra disse com uma falsa simpatia. “Deve ser por isso que ela virou clepto.”
Piper ignorou-as, mas Jason estava pronto para socá-las sozinho. Ele podia não se lembrar de Piper, ou mesmo de quem ele era, mas ele sabia que odiava essas patricinhas de meia-tigela. Leo segurou seu braço. “Seja legal. Piper não gosta quando nos envolvemos em suas batalhas. Além disso, se essas meninas descobrirem a verdade sobre seu pai, ficariam tão perplexas que correriam atrás dela gritando, “Nós não somos dignas!”
“Porquê? O que tem o pai dela?”
Leo deu uma risadinha de descrença. “Você não está brincado? Você realmente não lembra que o pai da sua namorada -”
“Olhe, eu desejo muito isso, mesmo, mas ainda sequer lembro dela, muito menos do seu pai.”
Leo deu um leve assobio. “Seja como for. Vamos falar sobre isso quando voltarmos para o dormitório.”
Eles chegaram à extremidade oposta à sala de exposição, onde algumas portas de vidro levavam para o terraço lá fora.
“Ok, Cupcakes”, o treinador Hedge anunciou. “Vocês estão prestes a ver o Grand Canyon. Tentem não quebrar nada. A passarela por aqui pode sustentar o peso de setenta jatos bem grandes, portanto vocês estarão tão pesados quanto uma pluma quando estiverem lá fora. Se possível, tentem não empurrar uns aos outros sobre a borda, só me causaria mais trabalho extra pra fazer.”
O treinador abriu as portas, e todos foram feito uma manada para fora. O Grand Canyon era bem mais extenso, se visto pessoalmente. Estendia-se sobre a borda uma passarela em forma de ferradura feita de vidro, portanto você poderia ver tudo através dela.
“Cara”, Leo disse. “Esse é um grande momento.”
Jason teve de concordar. Apesar da amnésia e de seu sentimento de que ele não pertencia aquele lugar, ele não pôde deixar de ficar impressionado.
O canyon era maior e mais amplo do que se poderia ver numa foto. Eles estavam tão alto que aves voavam em círculo abaixo de seus pés. Quinhentos pés abaixo, um rio serpenteava ao longo do chão do canyon. Bancos de nuvens de tempestade se moviam sobre suas cabeças enquanto estavam lá dentro, a projeção de sombras criava faces zangadas entre o penhasco. Jason pôde ver em qualquer direção ravinas vermelhas e cinzas, que cortavam o deserto como se algum Deus maluco tivesse tido um ataque com uma faca para fazê-lo.
Jason sentiu algo penetrar seus olhos. Deuses malucos… De onde ele tirou essa idéia? Sentiu como se estivesse próximo de algo importante – algo que ele devia conhecer. Ele também sentia uma sensação inequívoca de que estava em perigo.
“Você está bem?” Leo perguntou. “Você não vai se lançar sobre a grade aí do lado vai? Neste caso eu já trouxe minha câmera.”
Jason agarrou a grade. Ele estava sentindo calafrios e suando muito, mas achava que não tinha nada a ver com as alturas. Ele pestanejou, e a dor que sentia atrás de seus olhos se acalmou.
“Estou legal”, ele respondeu. “É apenas uma dor de cabeça.”
Um trovão estrondou sobre suas cabeças. Um vento frio batia nas laterais do lugar.
“Isso não pode ser verdade.” Olhando de soslaio para as nuvens acima. “Uma tempestade direto sobre nós, já que tudo ao redor está claro. Estranho né?”
Jason olhou para cima e viu que Leo tinha razão. Um círculo negro de nuvens havia estacionado sobre a passarela, mas o resto do céu estava perfeitamente claro. Ele tinha uma sensação ruim sobre isso
“Certo Cupcakes!” o treinador Hedge berrou. Ele olhava para tempestade imaginando o grande trabalho que ela poderia dar. “Podemos ter que reduzir o tempo aqui em cima, portanto mãos à obra! Lembrem-se, frases completas!”
A tempestade estrondava, e a cabeça de Jason começou a doer novamente. Não sabia bem o que estava fazendo, mas ele chegou no seu bolso da calça jeans e retirou de lá uma moeda – um círculo de ouro do tamanho de uma moeda comum, mas mais espesso e desigual. Em um dos lados estava marcada a imagem de uma batalha com machados. O outro tinha a face de um cara enfeitado com uma coroa de louros. A inscrição dizia algo como “IVILIS”.
“Nossa, isso é de ouro?” Leo perguntou. “Estava mantendo isso longe de mim!”
Jason guardou a moeda, querendo saber como ele tinha aquilo, e porque tinha a sensação de que precisaria dela em breve.
“Não é nada”, ele disse. “É apenas uma moeda.”
Leo encolheu os ombros. Talvez sua mente agisse tão rápido quanto suas mãos. “Venha”, ele disse. “desafio você a cuspir sobre a borda.”
Eles estavam tentando fazer o dever. Por um lado, Jason podia distrair sua mente de seus próprios sentimentos confusos. Por outro lado, ele não tinha a menor idéia de como responder questões do tipo “Dê três nomes de estratos sedimentares que esteja vendo” ou “Descreva dois exemplos de erosão”.
Leo não precisava de ajuda. Estava muito ocupado criando um helicóptero com limpadores de tubos.
“Veja isto”. Ele o lançou no ar. Jason imaginava que ele ficaria leve como uma pluma, mas com toda a certeza não era. O helicóptero fez apenas um pequeno passeio antes de perder o impulso e ir espiralando para o vazio do canyon.
“Como fez aquilo?” Jason perguntou.
Leo escolheu os ombros. “Teria sido mais eficaz se eu tivesse algumas tiras de borracha.”
“Sério”, Jason disse, “Nós somos realmente amigos?”
“Até onde eu saiba.”
“Você tem certeza? Qual foi o primeiro dia em que nos conhecemos? Sobre o que falamos?”
“Isso foi…” Leo refletiu. “Eu não me lembro exatamente. Eu tenho déficit de atenção e hiperatividade cara. Você não pode esperar que eu me lembre dos detalhes.”
“Mas eu não me lembro de você, nem dos outros. Eu não me lembro de ninguém. Se -”
“Está dizendo que você tem razão e nós estamos errados?” Leo perguntou. “Acha que você simplesmente apareceu aqui está manhã, e do nada todos nós temos lembranças falsas de você?”
Uma pequena voz disse na cabeça de Jason, ‘É exatamente o que penso’.
Mas isso soou muito louco. Toda essa gente tinha aceitado numa boa a presença dele ali. Todos agiram como se ele fosse uma parte integrante do grupo – exceto pelo treinador Hedge.
“Pegue meu material.” Jason entregou os papéis para Leo. “Preciso sair um pouco lá pra atrás.”
Antes que Leo pudesse protestar, Jason estava se distanciando através da passarela.
Seu grupo da escola era o único a ocupar o lugar.
Talvez era demasiado cedo demais para os turistas, ou talvez o clima estranho os tenha afugentado. As crianças da escola Wilderness tinham se espalhado em pares sobre a passarela. A maioria deixando moedas caírem pelo meio do caminho. A uns cinqüenta metros de distância, Piper estava tentando preencher sua planilha de atividades, mas Dylan, seu parceiro estúpido, estava dando pequenos tapinhas nela, colocando sua mão em seu ombro e dando esses sorrisos de causar cegueira. Ela tentava mantê-lo longe, e quando viu Jason ela lhe deu uma olhada acelerada, e fingiu um movimento de estrangulamento próprio.
Jason a motivou com outro movimento igual. Ele foi até o treinador Hedge, que estava inclinado sobre seu taco de beisebol, estudando as nuvens de tempestade.
“Vai fazer mesmo isso?” o treinador o questionou.
Jason deu um passo para trás. “Fazer o quê?” Isso soou de forma como se o treinador estivesse falando que ele tinha feito a trovoada.
O treinador Hedge lhe deu um olhar penetrante, o brilho em seus olhos parecia dizer que ele estava no seu limite. “Não jogue jogos comigo, criança. O que está fazendo aqui e porque diabos está atrapalhando meu trabalho?”
“Quer dizer… que você não me conhece?” Jason disse. “Não sou um dos seus alunos?”
Hedge inspirou. “Nunca tinha visto você antes.”
Jason ficou tão aliviado que sentiu vontade de chorar. Pelo menos ele não estava ficando louco. Ele estava mesmo no lugar errado. “Olhe, senhor, eu não sei como vim parar aqui. Eu apenas acordei no ônibus escolar. Sinto que não devia estar aqui, mas todos sabem quem eu sou.”
“Muito bem”. A voz de Hedge soou como um murmúrio de quem estava compartilhando um segredo. “Consegue usar a névoa de forma eficiente criança, você pode ter feito todas essas pessoas pensarem que te conhecem; mas você não pode me enganar. Eu estou sentindo cheiro de monstros por dias. Eu sabia que tínhamos algum infiltrado no grupo, mas você não cheira a monstro. Seu odor é de um meio-sangue. Por isso, quem é você, e de onde veio?”
A maior parte do que o treinador disse lhe pareceu sem sentido algum, mas Jason decidiu responder honestamente. “Não sei quem eu sou. Não tenho qualquer memória. Você tem que me ajudar.”
O treinador Hedge estudou seu rosto como se estivesse tentando ler os pensamentos de Jason.
“Ótimo”, Hedge murmurou. “Você está sendo honesto.”
“É claro que estou! E que conversa foi aquela sobre monstros e meio-sangues? Estas palavras são um código ou algo assim?”
Hedge semicerrou os olhos. Parte de Jason se perguntou se o cara não tinha um parafuso a menos. Mas a outra parte queria saber mais.
“Olhe, criança”, Hedge disse, “Eu não sei quem você é, só sei o que você é e isso significa problemas. Agora eu preciso proteger três ao invés de dois. Você é o pacote especial? É isso?”
“Do que você está falando?”
Hedge olhou para a tempestade. As nuvens estavam mais espessas e escuras, pairando sobre a passarela.
“Esta manhã”, Hedge disse, “Recebi uma mensagem do acampamento. Disseram que uma equipe de extração está a caminho. Eles estão chegando para pegar um ‘pacote especial’, mas eles não me forneceram muitos detalhes. Eu pensei comigo mesmo, ‘ótimo’. Esses dois que estou observando são muito poderosos, mais antigos que a maioria. Sei que eles não estarão mais seguros aqui. Eu posso cheirar um monstro no grupo. Então subitamente imaginei que o acampamento estaria vindo aqui para pegá-los. Mas, logo em seguida, você me aparece de lugar nenhum. Então na realidade você que é o ‘pacote especial’?”
A dor que Jason sentia atrás de seus olhos estava pior do que nunca. Meio-sangues. Acampamento. Monstros. Ele ainda não sabia do que Hedge estava falando, mas as palavras agiam como se estivessem congelando seu cérebro – Como se sua mente estivesse tentando acessar informações que deveriam estar lá, mas não estavam.
Ele caiu instantaneamente e o instrutor Hedge o pegou. Para um cara pequeno, o treinador tinha mãos de aço.
“Cuidado aí, Cupcake. Você diz que ficou sem memórias hein? Ok. Terei apenas que observar você até que a equipe do acampamento chegue aqui. Vamos ter que seguir as regras do diretor.”
“Que diretor?” Jason disse. “Que acampamento?”
“Apenas espere um pouco. Reforços devem estar chegando em breve. Só espero que nada aconteça antes -”
Um raio estalou sobre suas cabeças. O vento soprava como uma vingança cruel. Papéis voaram para o Grand Canyon, e a ponte toda começou a estremecer. As crianças gritavam, tateando o chão a procura de um lugar para se segurarem.
“Eu tinha que abrir minha boca”, Hedge resmungou. Ele berrou em seu megafone: “Escutem todos! A vaca diz môo! Todo mundo pra fora da passarela!”
“Pensei que você tivesse dito que essa coisa era estável!” Jason disse sobre os ombros enquanto agüentava a pressão do vento
“Sob circunstâncias normais”, Hedge concordou, “Que com certeza não é este caso. Vamos logo!”

II
Jason

A tempestade havia formado um furacão em miniatura.
Nuvens em forma de funil serpenteavam em direção a passarela como se fossem cobras recém saídas dos cabelos da Medusa.
As crianças corriam e gritavam em direção ao edifício. O vento já havia apanhado seus notebooks, jaquetas, chapéus e mochilas. Jason escorregava lateralmente pelo piso. Leo perdeu o equilíbrio e quase caiu pelo corrimão, mas Jason agarrou seu casaco e puxou-lhe novamente.
“Valeu, cara!” Leo grito
“Vamos, vamos, vamos!” disse o treinador Hedge.
Piper e Dylan seguravam as portas, mantendo-as abertas enquanto guiavam as outras crianças pra dentro. A jaqueta de snowboard de Piper balançava brutalmente contra o vento, e seu cabelo escuro chicoteava em seu rosto. Jason pensou que ela entraria em pânico, mas estava calma e confiante – dizendo para as crianças que tudo ficaria bem, incentivando os outros a continuarem andando.
Jason, Leo, e o treinador Hedge estavam indo na direção deles, mas sempre que avançavam no caminho, o vento parecia lutar contra eles, empurrando-os de volta
Dylan e Piper empurraram mais um garoto para o interior do edifício, e logo em seguida não conseguiram mais ter forças o suficiente para manter as portas abertas. A porta bateu num estrondo, confinando-os do lado de fora, na passarela.
Piper empurrou as alças. As crianças de dentro colocavam seu peso sobre o vidro, mas as portas pareciam estar presas.
“Dylan, Ajude-me!” Piper gritou.
Dylan subitamente deu um sorriso idiota, sua camisola de Cowboys rebatendo-se com o vento, como se ele estivesse apenas apreciando a tempestade.
“Desculpe, Piper”, Ele disse. “Já terminei meu horário de ajuda.”
Ele fez um movimento com seu pulso e Piper voou para trás, soltando as portas e deslizando para o pavimento da passarela.
“Piper!” Jason tentou seguir em frente, mas o vento estava contra ele, e o treinador Hedge o puxou de volta.
“Treinador”, Jason disse, “Me deixe ir!”
“Jason, Leo, fiquem atrás de mim entenderam”, o treinador ordenou. “Esta é minha luta. Pelo menos agora já sei quem é o nosso monstro.”
“Quê?” Leo grunhiu. Um trabalho escolar mal feito atingiu-lhe a cara, mas ele o puxou para fora. “Quê monstro?”
O boné do treinador voou, e acima de seu cabelo ondulado havia dois “galos” – como naqueles desenhos animados quando um cofre ou algo assim caíam sobre a cabeça dos personagens. O treinador Hedge levantou seu taco de beisebol – mas ele não era mais um taco comum. De alguma forma ele tinha alterado seu formato, pois agora ele era um rude tronco de árvore, com alguns galhos e folhas ainda anexados.
Dylan deu um sorriso meio feliz. “Ah, qual é, treinador. Deixe o garoto me atacar! Afinal, você já está bem velho pra isso. Não é por isso que você resolveu se aposentar nessa escola estúpida? Eu estive aqui a temporada inteira, e você nem notou. Você está perdendo seu olfato, vovô.”
O treinador fez um som gutural, como um animal balindo. “É isso, cupcake. Agora você está acabado.”
“Acha que pode proteger três meio-sangues ao mesmo tempo, velho?” Dylan riu. “Boa sorte.”
Dylan apontou o dedo para Leo, e uma nuvem em forma de funil se materializou em torno dele. Leo voou pra fora da passarela, como se tivesse sido atirado. De alguma forma ele conseguiu se manter equilibrado fora do chão e bateu numa parede lateral do canyon. Ele estava escorregando, movendo seus punhos furiosamente procurando se agarrar em alguma coisa. Finalmente ele conseguiu se agarrar em uma pequena saliência, cerca de cinqüenta metros abaixo da passarela, e fixado bem suas mãos.
“SOCORRO!” ele gritou pra eles. “Uma corda, por favor? Um cabo de Bungee jumping? Algo?”
O treinador Hedge xingou e atirou seu taco para Jason. “Eu não sei quem você é criança, mas espero que seja bom. Mantenha essa coisa ocupada – Ele apontou com o polegar para Dylan – Enquanto eu vou pegar o Leo.”
“Pegá-lo como?” Jason questionou. “Você vai voando até lá?”
“Voando não, trotando.” Hedge desamarrou seus sapatos e Jason quase teve um treco. O treinador não tinha quaisquer pés. Ele tinha cascos – cascos de bode. Compreendendo um pouco melhor a situação, Jason notou que as protuberâncias em sua cabeça, que ele achava serem dois galos não eram nada daquilo. Eles eram chifres.
“Você é um fauno”, Jason disse.
“Sátiro!” Hedge disse entre os dentes. “Faunos são romanos. Mas nós falamos sobre isso depois.”
Hedge saltou sobre o corrimão. Ele trotou em direção a parede do canyon e bateu seus cascos no impacto. Pulou para baixo do penhasco com uma agilidade impossível, encontrando mais bases não muito maiores do que o seu porte, onde batia os pés com força para se firmar, esquivando-se do turbilhão de vento e atacando-o, diminuindo sua distância em direção a Leo.
“Que gracinha não é!” Dylan virou-se na direção de Jason.
“Agora é a sua vez, garoto.”
Jason jogou o taco. Parecia inútil com ventos tão fortes ao redor, mas ele voou direto para Dylan, curvando-se até mesmo quando ele tentou se esquivar, dando-lhe uma pancada forte na cabeça e o fazendo cair de joelhos.
Piper não estava tão estupefata quando apareceu. Seus dedos fechados em torno do tronco quando ele rolou até ela, mas antes que pudesse usá-lo, Dylan levantou. Sangue – sangue dourado – pingava de sua testa.
“Boa tentativa, garoto.” Ele deu um olhar penetrante em Jason. “Mas você terá que fazer melhor.”
A passarela tremia cada vez mais. Rachaduras começavam a aparecer no vidro. Dentro do museu, as crianças haviam parado de bater sobre as portas. Elas pareciam hipnotizadas, assistindo ao terror.
O corpo de Dylan se dissolvia em fumaça, como se suas moléculas estivessem se desfazendo. Ele tinha a mesma cara, o mesmo sorriso brilhante, mas todo resto havia se tornado vapor preto, girando como num redemoinho, dos seus olhos saíam faíscas elétricas, era uma nuvem de tempestade com vida. Ele projetou asas de fumaça negra e subiu acima da passarela. Se anjos pudessem ser maléficos, Jason decidiu, eles ficariam exatamente assim.
“Você é um Ventus”, Jason disse, embora não tivesse a mínima idéia de onde tinha tirado essa palavra. “Um espírito de tempestade.”
A risada de Dylan soou como uma chuva torrencial caindo sobre um telhado. “Estou satisfeito por ter esperado, semideus. Leo e Piper já me conheciam há semanas. Poderia ter matado os dois a qualquer momento. Mas minha senhora disse que um terceiro chegaria – alguém especial. Ela vai me gratificar muito por sua morte!”
Mais duas nuvens em formato de funil se materializarão em ambos os lados de Dylan, já transformados em Venti – um fantasmagórico rapaz e homem com asas de fumaça e olhos que faiscavam como relâmpagos.
Piper manteve-se abaixada, fugindo estar aturdida, com sua mão ainda segurando o taco. Seu rosto estava pálido, mas ela deu um olhar determinado para Jason, e ele compreendeu a mensagem: Mantenha-se atento. Eu vou estourar seus miolos.
Bonita, inteligente, e violenta. Jason quis lembrar que ela era mesmo sua namorada. Ele cerrou os punhos e estava pronto pra tentar o ataque, mas nunca teve uma chance.
Dylan levantou sua mão, e entre seus dedos criou-se uma espécie de arco de eletricidade, uma rajada que estourou no peito de Jason.
Bang! Jason encontrou-se caído de costas sobre uma superfície plana. Na sua boca predominava um gosto estranho, como de uma esponja de aço. Ele levantou a cabeça e viu que suas roupas estavam fumegando.
O raio tinha ido diretamente sobre seu corpo, no entanto com tamanha força que até havia explodido seu sapato do pé esquerdo. Seus dedos dos pés estavam pretos como fuligem.
O espírito de tempestade estava rindo. O vento ao seu redor rangendo. Piper estava gritando desafiadoramente, mas tudo lhe soou de forma estranha e longe.
Pelo canto do olho, Jason pôde ver o treinador Hedge escalando, com Leo sobre suas costas.
Piper estava a seus pés, desesperadamente girando a clava que ele lhe havia entregado, mantendo afastados os dois espíritos de tempestades extras, mas eles estavam apenas brincando com ela. A clava entrava direto por seus corpos como se eles não estivessem lá. E Dylan, um tornado negro com olhos, voou repentinamente na direção de Jason.
“Pare”, Jason gritou. Ele levantou-se num salto irregular a seus pés, não estando certo de quem estava mais surpreso com aquilo: ele mesmo, ou os espíritos de tempestade.
“Como você está vivo?” As asas de Dylan pararam repentinamente de bater. “Aquele relâmpago tinha força o suficiente para matar vinte homens!”
“Minha vez”, Jason disse
Ele botou a mão no bolso e retirou a moeda de ouro. Ele deixou seus instintos assumirem o controle, girando a moeda no ar como se já tivesse feito aquilo umas mil vezes. Capturou-a com sua mão, e subitamente o que ele estava segurando não era mais uma moeda, era uma espada – uma arma de dois gumes assustadoramente afiada.
O punho ajustou-se perfeitamente em seus dedos, e a coisa toda era feita de ouro – cabo, alça e lâmina.
Dylan rosnou e afastou-se. Ele olhou para seus dois companheiros e gritou, “Bem? Matem-no!”
Os outros espíritos de tempestade não ficaram felizes com essa ordem, mas eles voaram em direção a Jason, seus dedos soltando faíscas de eletricidade.
Jason foi à direção do primeiro espírito. Sua lâmina passou pelo seu corpo, e a criatura feita de fumaça se desintegrou. O segundo espírito soltou uma rajada de relâmpagos, mas a espada de Jason absorveu a carga.
Jason agiu – um rápido impulso, e o segundo espírito de tempestade se transformou em pó dourado.
Dylan gritou de indignação. Ele olhava para baixo, como se estivesse esperando seus companheiros se refazerem, mas a poeira dourada apenas se dispersava com o vento. “Impossível! Quem é você, meio-sangue?”
Piper ficou tão aturdida que baixou sua clava. “Jason, como…?”
Então o treinador Hedge saltou de volta para a passarela e descarregou Leo como se ele fosse um saco de farinha.
“Espíritos, tremam de medo!” Hedge berrou, flexionando seus braços curtos. Em seguida, olhou ao redor e percebeu que só havia Dylan.
“Maldição, garoto!” Ele disse entre os dentes para Jason. “Não deixou alguns pra mim? Eu adoro um desafio!”
Leo estava a seus pés, recuperando o fôlego. Ele parecia totalmente humilhado, suas mãos ainda sangrando pelo que havia feito nas rochas. “Ei, treinador super bode, ou sei lá o que você é – Eu apenas acabei de cair no Grand Canyon, aberração! Pare de ficar pedindo por desafios!”
Dylan sibilou pra eles, mas Jason podia ver o receio em seus olhos. “Você não tem idéia de quantos inimigos acabou de conseguir, meio-sangue. Minha senhora destruíra todos os semideuses. Está é uma guerra que não podem ganhar.”
Acima, a tempestade explodiu sob a passarela. A chuva derramou-se como um véu, e Jason teve de agachar para manter o equilíbrio.
Um buraco se abriu entre as nuvens – um vórtice que girava em preto e prata.
“Minha senhora está me chamando de volta!” Dylan gritou com alegria. “E você semideus, virá comigo!”
Ele investiu contra Jason, mas Piper acertou o monstro pelas costas. Mesmo que ele fosse feito de fumaça, de alguma forma Piper conseguiu golpeá-lo. Ambos caíram. Leo, Jason, e o treinador correram a frente para ajudar, mas o espírito gritou com raiva. Ele soltou uma torrente de vento que jogou todos para trás.
Jason e o treinador Hedge caíram sobre o solo. A espada do garoto derrapou pelo vidro. Leo bateu com a parte de trás de sua cabeça, deitando-se de lado, aturdido e gemendo.
Piper teve o pior. Ela foi jogada para trás de Dylan, e bateu na grade, caindo de lado até que estivesse pendurada por uma mão sobre o abismo.
Jason começou a correr na direção dela, mas Dylan gritou, “Eu vou dar conta ao menos deste!”
Ele pegou no braço de Leo e começou a subir, rebocando um Leo meio-consciente com ele. A tempestade soprava rápido, puxando-os para cima como um aspirador.
“Socorro!” Piper gritou. “Alguém!”
Em seguida, ela escorregou, gritando enquanto caía.
“Jason vai!” Hedge gritou. “Salve-a!”
O treinador lançou-se no espírito com alguns golpes de “bode fu” – amarrou-se no espírito com seus cascos, batendo nele para diminuir a pressão sobre o braço de Leo e soltá-lo. Leo caiu em segurança no chão, mas Dylan segurou os braços do treinador em vez disso. Hedge tentou dar-lhe uma cabeçada, ele ficou chutando-o enquanto o chamava de cupcake. Eles estavam subindo cada vez mais, ganhando velocidade.
O treinador Hedge gritou para baixo mais uma vez, “Salve-a! Eu cuido disso!” Em seguida, o sátiro e o espírito de tempestade subiram no vórtice sobre as nuvens e desapareceram.
Salvá-la? Jason pensou. Ela se foi!
Mas novamente seus instintos ganharam o controle. Ele correu para a grade, pensando ser um lunático, e saltou.
Jason não estava com medo das alturas. Ele estava com medo de ser esmagado contra o chão do canyon a quinhentos metros abaixo. Ele percebeu que não poderia fazer nada a não ser morrer junto com Piper, mas ele dobrou os braços e abaixou sua cabeça. As paredes do canyon passavam como um filme em velocidade acelerada. Sentia como se o seu rosto estivesse descascando.
Num piscar de olhos, ele pegou Piper, que caía descontroladoramente. Ele a segurou pela cintura e fechou os olhos, a espera da morte. Piper gritava. O vento assobiava nos ouvidos de Jason. Ele estava pensando, provavelmente não tão bem. Ele desejou que de alguma forma eles nunca se espatifassem lá em baixo.
De repente o vento cessou. O grito de Piper virou um suspiro estrangulado. Jason pensou que estavam mortos, mas não sentiu qualquer impacto.
“J-J-Jason”, Piper chamou.
Ele abriu os olhos. Eles não estavam caindo. Estavam flutuando no ar, cem metros acima do rio.
Ele deu um abraço apertado em Piper, e ela se endireitou e o abraçou com força também. Eles estavam nariz a nariz. Os batimentos cardíacos dele estavam acelerados, Jason podia senti-los através das suas roupas.
Sua respiração cheirava à canela. Ela disse: “Como é que você -”
“Eu não sei”, Ele disse. “Acho que gostaria de saber que eu podia voar…”
Mas, em seguida, ele pensou: eu ainda não sei quem eu sou.
Ele se imaginou indo para cima. Piper ganiu quando eles subiram mais alguns metros. Eles não estavam exatamente flutuando, Jason decidiu. Ele podia sentir a pressão sob seus pés, como se eles estivessem se equilibrando sobre um gêiser.
“O ar está nos suportando”, ele disse.
“Bem, diga a ele para nos apoiar mais! Tire-nos daqui!”
Jason olhou para baixo. A coisa mais fácil seria descer suavemente para o chão do canyon. Em seguida ele olhou para cima. A tempestade havia parado. As nuvens não pareciam tão ruins, mas ainda havia alguns relâmpagos e clarões piscando.
Não havia nenhuma garantia de que os espíritos não voltariam. Ele não tinha nenhuma idéia do que havia acontecido ao treinador Hedge. E ele havia deixado Leo lá em cima, quase inconsciente.
“Nós temos que ajudá-los”, Piper disse, como se tivesse lido seus pensamentos. “Você pode -”
“Vamos ver.” Jason pensou para cima, e instantaneamente subiu como um tiro em direção ao céu.
O fato de ele estar andando sobre os ventos podia ser bem legal sob circunstâncias diferentes, mas ele estava em completo estado de choque. Assim que pisaram na passarela, eles correram na direção de Leo.
Piper virou Leo, e ele grunhiu. Seu casaco do exercito estava encharcado da chuva. Seu cabelo encaracolado resplandecia a ouro devido ele ter rolado sobre a poeira do monstro.
Mas pelo menos ele não estava morto.
“Estúpido… feio… bode”, ele murmurou.
“Onde ele foi?” Piper perguntou.
Leo apontou pra cima. “Nunca chegou a descer. Por favor, me diga que ele realmente não salvou minha vida.”
“Duas vezes”, Jason disse.
Leo grunhiu ainda mais alto. “O que aconteceu? O garoto tornado, a espada de ouro… Eu bati minha cabeça. É isso, certo? Eu estava alucinando?
Jason tinha se esquecido da espada. Ele andou até onde há pouco tempo estava caído e a pegou. A lâmina era bem equilibrada. Tendo um pressentimento, ele somente a tocou.
Girando sobre si mesma, a espada foi encolhendo de volta para a forma de uma moeda e pulou para a palma de sua mão.
“Sim”, Leo disse. “Definitivamente alucinando.”
Piper tremia com sua roupa encharcada pela chuva. “Jason, aquelas coisas -”
“Venti”, ele disse. “Espíritos de tempestade.”
“Tudo bem. Você agiu como… Como se já tivesse visto antes. Quem é você?”
Ele balançou a cabeça. “Isso que estava tentando te dizer. Eu não sei.”
A tempestade se dissipou por completo. As outras crianças da escola Wilderness estavam olhando para fora pelas portas de vidro com horror. Guardas de segurança estavam trabalhando nas fechaduras, mas pareciam estar tendo pouca sorte.
“O treinador Hedge disse que tinha que proteger três pessoas”, Jason lembrou, “Eu acho que estava falando de nós.”
“E aquela coisa em que Dylan se transformou”… Piper estremeceu. “Deus, eu não posso acreditar que ele me atacou. Ele nos chamou de… que mesmo, semideuses?”
Leo deitou-se de costas, olhando para o céu. Ele não parecia muito ansioso para se levantar. “Não sei o que significa semi”, ele disse. “Mas eu não estou me sentindo muito bem. Vocês estão se sentindo bem?”
Houve um som quebradiço, como algo se desencaixando, e as rachaduras da passarela começaram a se alargar.
“Nós precisamos sair dessa coisa”, Jason disse. “Talvez se nós -”
“Tuuuudo bem”, Leo interrompeu. “Olhe lá pra cima e me diga se aquilo que está voando são mesmo cavalos.”
A primeira coisa que Jason pensou era que Leo havia batido a cabeça forte demais. Em seguida, ele viu uma forma escura surgir do leste de forma decrescente – muito lenta para um avião, muito grande para um pássaro. Quando chegou mais perto, dava pra ver que eram um par de animais alados – cinzentos, com quatro patas, exatamente como cavalos – exceto que cada um estava numa altura de 20 pés. E eles estavam puxando uma caixa brilhante pintada com duas rodas: uma carruagem.
“Reforços”, ele disse. “Hedge me disse que um esquadrão de extração estava vindo para nos apanhar.”
“Esquadrão de extração?” Leo lutou para pôr-se de pé. “Isso soa muito mal.”
“E para onde vão nos extrair?” Piper perguntou.
Jason assistiu como a carroça pousou na extremidade da passarela. Os cavalos voadores rosnaram nervosamente para o vidro, como se soubessem que estava perto de se quebrar. Dois adolescentes estavam na carruagem – uma garota alta e loira, talvez um pouco mais velha do que Jason e um rapaz volumoso com uma cabeça raspada e um rosto igual a uma pilha de tijolos. Ambos usavam jeans e camiseta laranja, com escudos presos sobre suas costas. A garota saltou da carroça antes mesmo dela parar de se mover. Ela puxou uma faca e correu em direção ao grupo de Jason enquanto que o cara volumoso ficou controlando os cavalos.
“Onde ele está?” exigiu saber a garota. Seus olhos cinzentos eram ferozes e um pouco brilhantes.
“Onde está quem?” Jason perguntou.
Ela franziu a testa como se sua resposta fosse inaceitável.
Em seguida, ela se virou para Leo e Piper. “E sobre Gleeson? Onde está seu protetor, Gleeson Hedge?”
O primeiro nome do treinador era Gleeson? Jason talvez risse se a manhã não tivesse sido tão assustadora. Gleeson Hedge: treinador de futebol, homem bode, protetor de semideuses. Certo. Por que não?
Leo limpou sua garganta. “Ele foi levado por… coisas tornado.”
“Venti”, Jason disse. “Espíritos de tempestade.”
A garota loira arqueou sua sobrancelha. “Você conhece os anemoi thuellai? Que é o termo grego. Quem é você, e o que aconteceu?”
Jason fez o melhor que pôde para explicar, apesar de ter sido difícil encarar aqueles intensos olhos cinzentos. Quando estava na metade da história, o outro cara da carroça veio. Ele tinha uma tatuagem de um arco-íris em seu bíceps, que parecia ser um pouco incomum.
Quando havia acabado a história, a garota loira não parecia estar satisfeita. “Não, não, não! Ela me disse que ele estaria aqui. Ela me disse que se viesse até aqui, eu encontraria a resposta.”
“Annabeth”, o careca grunhiu. “Olha só isso.” Ele apontou para os pés de Jason.
Jason não tinha pensado muito sobre isso, mas ele ainda estava sem seu sapato esquerdo, que tinha sido explodido pelo relâmpago. Sentia tudo bem com seu pé descalço, mas ele parecia um pedaço de carvão.
“O cara com um sapato”, disse o careca. “Ele é a resposta.”
“Não, Butch”, a garota insistiu. “Ele não pode ser. Eu estava enganada.” Ela olhou para o céu como se ele tivesse feito alguma coisa errada. “O que você quer de mim?” Ela gritou. “O que você fez com ele?”
A passarela tremeu, e os cavalos ganiam urgentemente.
“Annabeth”, disse o cara careca, Butch, “Temos que sair daqui. Vamos levar esses três pro acampamento e pensar sobre isso lá. Aqueles espíritos de tempestade podem voltar.”
Ela bufou por alguns instantes. “Ok.” Ela se fixou em Jason com um olhar ressentido. “Vamos resolver isso mais tarde.”
Ela virou-se sobre seu calcanhar e marchou em direção à carruagem.
Piper balançou a cabeça. “Qual o problema dela? O que está acontecendo?”
“Sério”, Leo concordou.
“Temos que tirar vocês daqui”, Butch disse. “Vou explicar tudo no caminho”
“Eu não vou a lugar algum com aquela garota.” Jason fez um gesto em direção a loira. “Ela olhou pra mim como se quisesse me matar.”
Butch hesitou. “Annabeth está bem. Você tem que lhe dar uma folga. Ela teve uma visão dizendo-lhe para vir aqui, para encontrar um cara com um sapato. Que supostamente era pra ser a resposta para o seu problema.”
“Que problema?” Piper perguntou.
“Ela está procurando por um dos nossos campistas, um que desapareceu há três dias”, disse Butch. “Ela está fora de si de preocupação. Esperava que ele estivesse aqui.”
“Quem?” Jason perguntou.
“O namorado dela”, Butch disse. “Um garoto chamado Percy Jackson.”